Entrevista – A funcionalização de superfícies para aplicações em biomateriais

Entrevistado da semana: Dr. Rodney Marcelo do Nascimento, pós-doc do Grupo de Pesquisa Crescimento de Cristais e Materiais Cerâmicos

Terapias regenerativas que se utilizam de biomateriais, requerem um estudo aprofundado, que dê condições de obter informações precisas das interações ocorridas entre o biomaterial que poderá ser implantado e o corpo humano. Utilizar a tecnologia dos materiais para este mister significa dizer que para que os processos de regeneração óssea sejam otimizados, é preciso compreender muito bem a natureza das superfícies dos materiais e sua influência durante os estágios iniciais da osseointegração. É a isto que o Dr. Rodney Marcelo do Nascimento, pós-doc do CCMC, supervisionado pelo professor Antonio Carlos Hernandes, têm se dedicado a estudar e desenvolver em suas pesquisas.

O pesquisador nos relatou sobre a pesquisa a que vêm se dedicando com um objetivo que poderá fazer a diferença na vida de muita gente no futuro: o desenvolvimento de um biomaterial que sirva como curativo intra-ósseo e seja capaz de induzir regeneração tecidual. Este curativo está sendo projetado para os casos de regeneração tecidual óssea, como por exemplo na recuperação de acidentes traumáticos (fraturas) ou doenças ósseas.

O grande desafio de Rodney está em obter uma superfície que esteja apta a liberar as partículas bioativas ao interagir com o corpo humano, colaborando para que a recuperação do paciente se dê de maneira mais rápida. O que se pretende com este biomaterial é que ele auxilie não apenas como um curativo, mas também promova a recuperação do paciente mais rapidamente do que o corpo humano poderia ter sozinho. A funcionalização desta superfície, entretanto, é a chave para que o dispositivo possa ser otimizado com vistas a aplicação como o curativo.

Acompanhe a entrevista que o Dr. Rodney concedeu à Assessoria de Comunicação do CCMC e entenda melhor sobre este importante trabalho que está sendo desenvolvido no grupo de pesquisa.


Assessoria de comunicação do CCMC pergunta (AC-CCMC): Você nos disse que sua pesquisa consiste no desenvolvimento de um biomaterial a partir da incorporação de fosfatos de cálcio em estruturas de látex visando aplicação como dispositivo de liberação controlada. Você poderia dar outros exemplos de “biomateriais” que a ciência dos materiais atualmente desenvolve?

Dr. Rodney – A definiçao de biomaterial modificou-se um pouco ao longo do tempo. Hoje, é conhecido como um material desenvolvido com o propósito de controlar interações com um sistema vivo, substituindo ou reparando partes deste. Pode ser aplicado tanto em terapia regenerativa como diagnósticos. Outros exemplos de biomateriais sao as superficies funcionalizadas de titanio e ligas,(os “pinos”) utilizados para vidros bioativos, compósitos a base de quitosana e/ou colágeno, nanopartículas de óxido de ferro, etc…

AC-CCMC: Você poderia nos contar o que motivou sua pesquisa por esta área?

Dr. Rodney –  Eu iniciei minha formação científica trabalhando com materiais supercondutores e no final do mestrado, eu já atuava no departamento de biofísica da Unesp de Botucatu onde tive a oportunidade de conhecer pesquisas nas áreas biológicas e médicas. Ali vi a possibilidade de aplicar conhecimentos da física, não somente para desenvolver materiais, mas também entender os processos de regeneração tecidual. Além disso, a degradação de tecidos vivos sempre me incomodou um pouco devido a um pequeno trauma de infância. Acredito que a combinação de um ambiente científico favorável à inter e transdisciplinaridade, assim como o desejo de entender o processo inverso a degradação do tecido biológico me motivaram a pesquisa nesta área.

AC-CCMC: Gostaríamos de saber sobre o que está sendo feito de materiais com essa funcionalidade que você está desenvolvendo. Já existe um curativo similar a este atualmente? Em que situações uma pessoa poderia usar um curativo intraósseo?

Dr. Rodney –  Existem alguns tipos de lesões ósseas causadas por acidentes ou doenças que exigem uma terapia regenerativa mais complexa. Como exemplo, posso citar cirurgias odontológicas em que há necessidade de se isolar o defeito ósseo e ao mesmo tempo acelerar o crescimento das células pontualmente. Isso de forma a propor o menor incomodo para o paciente. Existe um material similar no mercado a base de politetrafluoretileno. Embora este material apresente boas propriedades mecânicas para isolamento cirúrgico, o processo de cicatrização é lento pois não há indução bioativa e em muitos casos existe a necessidade de se trocar o material. O material ora em desenvolvimento na USP tem como objetivo atender as propriedades mecânicas e  induzir crescimento osseo disponibilizando partículas bioativas de forma gradual, consequentemente acelerando o processo.

AC-CCMC: Este curativo teria de ser trocado, em algum momento, depois de uma intervenção cirúrgica, ou seja, ele teria uma vida útil?

Dr. Rodney – Visando a aplicação, o objetivo final é o menor desconforto para o paciente. Isso significa que: ou o material deve ser retirado apenas uma vez após completa cicatrização ou deve ser absorvido pelo corpo. Ate atingir tais objetivos, muita ciencia sera desenvolvida.

AC-CCMC: Se o curativo não precisar ser trocado, o que aconteceria com ele dento do corpo humano ou o que vocês esperam que ele apresente de resultados dentro do corpo humano?

Dr. Rodney – A expectativa está em otimizar a renegeração de tecido ósseo, no entanto essa questão deve começar a ser respondida na segunda etapa do projeto quando iniciarmos os experimentos com o objetivo de avaliar tanto a degradabilidade do filme de latex como a liberação das partículas de fosfato de cálcio em meio corporal simulado. Antes disso, temos que ter um conhecimento maior a respeito das interações entre a proteína do látex e as partículas de fosfatos de cálcio assim como verificar a reprodutibilidade dos primeiros resultados.

AC-CCMC: Você poderia dar um exemplo de um dos benefícios que sua pesquisa pode oferecer bem como quais são os desafios que se espera enfrentar/superar durante o trabalho?

Dr. Rodney – As áreas da implantodologia (como odontologia e ortopedia) podem ser as mais beneficiadas com o desenvolvimento da pesquisa, especialmente em casos onde a regeneração tecidual seja um fator complicante para a saúde, seja resultado de acidentes traumáticos ou doenças ósseas. O grande desafio está em obter uma superfície funcionalizada que possa liberar as partículas bioativas ao interagir com o corpo humano, sendo este um sistema extremamente complexo. Além do desenvolvimento do material em si, a pesquisa irá proporcionar o estudo teórico da interface entre superfície e meio biológico de forma a responder questões ainda abertas na literatura como a relação entre energia livre, dimensões da superfície e aspectos dinâmicos de interação.

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