Pesquisadores do CDMF são signatários da “Carta de Camboriú” sobre situação da pesquisa no Brasil

Documento foi proposto na reunião da Sociedade Brasileira de Pesquisa em Materiais

Diversos pesquisadores do Centro de Desenvolvimento de Materiais Funcionais (CDMF) aderiram à “Carta de Camboriú”, proposta pela diretoria e pelo conselho da Sociedade Brasileira de Pesquisa em Materiais (SBPMat) durante a XVIII Brazil MRS Meeting, realizada em Balneário Camboriú entre os dias 22 e 26 de setembro.

O documento aponta as preocupações dos membros da SBPMat e demais cientistas reunidos no evento em relação aos cortes nos recursos destinados à Ciência, alertando quanto ao impacto de tais cortes no desenvolvimento socioeconômico do País.

Confira o documento na íntegra:

“Carta de Camboriú”

Por ocasião do XVIII Encontro da Sociedade Brasileira de Pesquisa em Materiais (SBPMat), que reuniu cerca de 1800 pesquisadores do Brasil e mais de uma dezena de outros países, de 22 a 26 de setembro de 2019, em Balneário Camboriú, Santa Catarina, a diretoria e o conselho da SBPMat vêm a público manifestar sua preocupação com os cortes e contingenciamentos de verbas para a educação e pesquisa no Brasil. Se persistirem os cortes nas universidades públicas e em órgãos de financiamento à pesquisa e pós-graduação, como a CAPES, CNPq e Finep, o País estará fadado ao retrocesso em seu processo de desenvolvimento. Ressaltamos que a necessidade de contenção de gastos públicos devido à crise econômica não justifica os cortes em ciência e educação, pois esses cortes são muito maiores – em porcentagem – do que em outras áreas do governo.

Como a história do progresso de nações mostra, a prosperidade e o bem-estar da população têm relação direta com a capacidade de um país de gerar e absorver conhecimento. É inacreditável que no Século XXI ainda seja necessário justificar investimentos em pesquisa e geração de conhecimento. Principalmente em uma era de viagens espaciais, longevidade sem precedentes para a humanidade, e tecnologias como as dos telefones celulares que permitem comunicação que há algumas décadas estava apenas em livros de ficção científica.

Gostaríamos de nos dirigir à sociedade brasileira que paga impostos para manter o sistema de ciência, tecnologia e inovação do País. Com tantas notícias falsas espalhadas atualmente, podem surgir dúvidas sobre as intenções da comunidade acadêmica e universitária. Pode-se perguntar se um manifesto como este não é apenas uma defesa corporativista de uma elite que vê seus interesses afetados pelas políticas adotadas com cortes e contingenciamentos. Essa é uma pergunta legítima, mas que pode ser respondida com firmeza pela comunidade da SBPMat. Fazer ciência e desenvolver novas tecnologias pressupõe a busca da verdade, de maneira que não podemos nos furtar de alertar a sociedade brasileira sobre as consequências das atuais políticas de ataques às universidades públicas e cortes de investimentos.

Mesmo que as pessoas não percebam no dia-a-dia, sua vida é altamente dependente da tecnologia: para ter energia e comunicação através de telefones celulares, para acesso a tratamentos médicos, disponibilidade de água limpa e comida a preços acessíveis. São muitos os exemplos de tecnologia brasileira que beneficiam a população e a economia brasileira, como naqueles mais óbvios em que o Brasil tem liderança mundial: exploração de petróleo em águas profundas, agronegócio e produção de aviões de médio porte. Por outro lado, a existência de laboratórios e pessoal treinado, fruto do investimento em ciência e tecnologia de muitas décadas, permitiu que o Brasil rapidamente desvendasse os mecanismos de ação do vírus Zika, causador da microcefalia em bebês; graças a este conhecimento, o mesmo vírus traz esperança de tratamento para tumores do cérebro ainda hoje sem chances de cura. Mencione-se, também, a necessidade de formação de profissionais capacitados que possam servir a população, só realizável com um sistema universitário pujante e que inclui pesquisa.

A comunidade acadêmica precisa ter a responsabilidade de não ser alarmista. Entretanto, ela também tem o dever de alertar o povo brasileiro sobre alguns dos efeitos que a destruição de nosso sistema de ciência, tecnologia e inovação trará – inevitável se as políticas de cortes persistirem. No mundo todo, o maior aporte de recursos para ciência e tecnologia é realizado pelo Estado; empresas em geral respondem pelo custeio de pesquisas mais aplicadas, construídas a partir do conhecimento básico adquirido em estudos mais fundamentais. É importante lembrar que a destruição desse sistema pode ser muito mais rápida do que as décadas necessárias para construí-lo.

Queremos encerrar este manifesto com uma nota de esperança. Em uma das palestras no XVIII Encontro da SBPMat, foi apresentada uma das conquistas que orgulha a ciência brasileira: o acelerador de partículas Sirius, instalado no Centro Nacional de Pesquisa em Energia e Materiais, em Campinas. Construído com 85% de tecnologia nacional, o Sirius está entre os mais avançados do mundo, e pode permitir geração de conhecimento essencial para muitas áreas estratégicas para a economia brasileira. A criação do Sirius é mais uma demonstração da capacidade da comunidade científica brasileira, que esperamos possa continuar seu trabalho. Isso só será possível, entretanto, se houver uma mudança nas políticas para educação e pesquisa no Brasil.

Balneário Camboriú, 25 de setembro de 2019.

Na tarde de 25 de setembro, participantes do evento aderiram a um manifesto em favor da pesquisa e das universidades, o qual consistiu em uma foto em frente ao palco principal, com os telões exibindo a frase “Em Defesa da Ciência e da Universidade Pública”.

A publicação original está disponível AQUI

CDMF

O CDMF é um dos Centros de Pesquisa, Inovação e Difusão (Cepids) apoiados pela Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de São Paulo (Fapesp), e recebe também investimento do Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq), a partir do Instituto Nacional de Ciência e Tecnologia dos Materiais em Nanotecnologia (INCTMN).

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