Spin off do CDMF é destaque na revista ‘Pesquisa Fapesp’

Nanox foi a primeira spin off do centro e conta com diversos projetos PIPE fapesp

A empresa de alta tecnologia Nanox, spin off do Centro de Desenvolvimento de Materiais Funcionais (CDMF), sediada em São Carlos, é destaque em reportagem de Suzel Tunes, publicada na edição de fevereiro da revista Pesquisa Fapesp.

Confira:

De olho no mundo

Nascida em uma universidade paulista, empresa especializada em soluções nanotecnológicas busca internacionalização

Suzel Tunes – Pesquisa Fapesp – Fevereiro de 2020

Fragmento de material plástico (ao centro) contendo o aditivo NanoxClean é testado em placa de petri. Foto: Léo Ramos Chaves

Em julho do ano passado, os executivos da Nanox, empresa de alta tecnologia com sede em São Carlos (SP), receberam um convite inesperado: participar do programa de aceleração de negócios da Plug and Play, uma das principais aceleradoras do Vale do Silício, nos Estados Unidos. Investidora de empresas como Google, Rappi e Dropbox, a Plug and Play havia descoberto a empresa brasileira de nanotecnologia por conta de uma reportagem publicada na versão em inglês da Agência FAPESP e reproduzida pela Dairy Reporter, publicação norte-americana especializada no setor de laticínios.

A reportagem destacava o desenvolvimento de um material antimicrobiano à base de prata que, aplicado a embalagens plásticas de leite, dobra a vida útil do produto na prateleira. A incorporação de micropartículas de prata ao plástico resulta de um projeto realizado com apoio do Programa Pesquisa Inovativa em Pequenas Empresas (Pipe) da FAPESP. É um dos oito projetos já desenvolvidos pela Nanox com apoio do Pipe. Com exceção de dois projetos em andamento, todos os demais se converteram em produtos comerciais.

A Nanox aceitou o convite e foi uma das 15 startups finalistas dentre mil selecionadas no mundo todo. “Só havíamos nós de brasileiros”, conta o químico Gustavo Simões, CEO da Nanox, que ingressou no programa com o diretor de operações, Daniel Minozzi. Os dois participaram de três meses de treinamento e mentoria e se apresentaram a investidores. Voltaram do Vale do Silício com contatos e a perspectiva de ampliar a internacionalização da empresa, que já tem um escritório nos Estados Unidos desde 2016.

“Em Newton, Massachusetts, temos um gerente operacional para fazer levantamento de mercado e cuidar de documentação. Já conseguimos a aprovação da FDA [Food and Drug Administration, agência norte-americana que regula alimentos e medicamentos] e aguardamos agora a certificação da EPA [Environmental Protection Agency, a agência de proteção ambiental norte-americana] relativa ao material antimicrobiano à base de prata”, informa Minozzi. Para os empresários, a conformidade regulatória será um dos grandes diferenciais da Nanox. “Hoje, apenas três empresas de nanotecnologia no mundo têm as duas certificações para atuar na área de embalagens para alimentos e bebidas. Seremos a quarta”, comemora o empresário.

Especializada no desenvolvimento de aditivos nanoestruturados à base de prata e outras substâncias para aplicação em produtos plásticos, tecidos, utensílios médicos e de cozinha, entre outros, a Nanox ocupa posição de vanguarda no Brasil desde que se estabeleceu como uma spin-off do Centro de Desenvolvimento de Materiais Funcionais (CDMF), localizado na Universidade Federal de São Carlos (UFSCar) – um dos Centros de Pesquisa, Inovação e Difusão (Cepid) financiados pela FAPESP. Segundo o químico Elson Longo, professor emérito da UFSCar e diretor do CDMF, a Nanox foi a primeira spin-off de nanotecnologia vinculada a esse centro de pesquisa, que se denominava, à época, Laboratório Interdisciplinar de Eletroquímica e Cerâmica (Liec). “A ideia de Simões foi pioneira e abriu novas perspectivas para nosso grupo”, afirma Longo.

Preparação da substância NanoxClean para realização de ensaio. Foto: Léo Ramos Chaves

Apoios na trajetória
A empresa foi concebida quando Simões ainda cursava o mestrado no Instituto de Química da Universidade Estadual Paulista (Unesp), em Araraquara, tendo Longo como orientador. O orientando tentava criar um agente bactericida incorporando materiais com reconhecida ação antimicrobiana, como a prata e o óxido de titânio, a nanopartículas de cerâmica. “Era um produto inédito. Surgiu, então, a ideia de constituir uma microempresa para produzir o composto”, lembra Longo. “Foi um caminho natural”, diz Simões. “O Liec tinha muita interação com empresas, o que nos estimulou a empreender.”

Para a formação da startup, chamada inicialmente de Science Solution, uniram-se a Simões dois colegas do Programa de Pós-graduação do Instituto de Química da Unesp: Minozzi e André Araújo, que se tornou acionista. A incubadora ParqTec, de São Carlos, foi o primeiro endereço da empresa, e a FAPESP o suporte inicial para sua consolidação. Em 2005, a Nanox obteve apoio do Pipe para desenvolver um coating (revestimento) cerâmico antimicrobiano para superfícies metálicas. E, em 2006, conquistou seu primeiro cliente, uma empresa produtora de secadores de cabelos.

Segundo os pesquisadores, as nanopartículas combatem os microrganismos por meio de três frentes de ação: limitando a troca de gases por meio da parede celular (impedindo que respirem), inibindo a divisão celular e provocando o rompimento da parede celular. Batizado de NanoxClean, o antimicrobiano nanoparticulado tornou-se carro-chefe da empresa e começou a ser aplicado a outros materiais, como plástico, fibras têxteis e vidro. Hoje são 16 diferentes formulações.

Placa de petri contendo o aditivo da empresa durante teste de eficácia. Foto: Léo Ramos Chaves

Em 2006, apenas dois anos após sua fundação, a Nanox recebeu aporte do fundo de investimentos Novarum. Cinco anos depois, contou com investimento do Programa de Apoio à Pesquisa em Empresas (Pappe), da Financiadora de Estudos e Projetos (Finep), para escalonar a produção das partículas antimicrobianas nanoestruturadas. Em julho de 2019, entraram mais recursos dos fundos Criatec 2 e NT Agro. “Uma boa ideia por si só não garante sucesso nem crescimento”, pontua Elson Longo. “Houve por parte dos dirigentes da Nanox muito trabalho e pesquisa para a obtenção de novos produtos à base de nanotecnologia, assim como o apoio dos órgãos financiadores e a estrutura de um laboratório especializado.”

Para a bióloga Iseli Lourenço Nantes-Cardoso, professora da Universidade Federal do ABC (UFABC) e integrante do Programa de Pós-graduação em Nanociências e Materiais Avançados, a Nanox é um dos exemplos de companhias de nanotecnologia que surgem a partir da qualificação de pessoas nas universidades. “Empresas de nanotecnologia são uma opção de mercado de trabalho para os doutores formados nas universidades. O emprego da mão de obra qualificada na indústria é o retorno do investimento de recursos públicos na formação dessas pessoas”, diz.

No caso da Nanox, houve uma bem-sucedida confluência de recursos científicos e financeiros. Dela resultaram sete patentes, seis no Brasil e uma nos Estados Unidos. Com sede própria em São Carlos, a empresa tem laboratórios de química, microbiologia, controle de qualidade e produtos de plástico, onde atuam 13 pessoas – equipe relativamente pequena porque a atividade da empresa não exige uso de mão de obra intensiva. Dedicados à área de pesquisa e desenvolvimento há seis profissionais, sendo um doutor, três mestres e dois graduados.

Clientes diversificados
A produção anual de micropartículas é de cerca de 2 toneladas, bem superior aos 200 quilos de cinco anos atrás. Dentre os 25 clientes no Brasil, estão representantes da indústria de tapetes, móveis, tintas, escovas de dentes, utensílios domésticos e embalagens. Um dos maiores é a AlpFilm, produtora de filmes plásticos para embalagem de alimentos. A engenheira química Alessandra Regina Vicentin Zambaldi, responsável pelo setor de compras e desenvolvimento, lembra que conheceu a Nanox em 2016, em Düsseldorf, na K Trade Fair, feira de negócios especializada em polímeros. “Saímos de São Paulo para conhecê-los na Alemanha”, diverte-se a engenheira.

Após estudos e testes, a empresa lançou produtos para uso doméstico e profissional com o aditivo bacteriano da Nanox. Segundo Zambaldi, o custo de produção do filme plástico com tratamento bactericida aumentou cerca de 10% em relação ao produto convencional, mas a empresa resolveu apostar na inovação. “Buscamos um diferencial inovador para nossos produtos e a proteção antimicrobiana representa um benefício importante para o consumidor”, justifica.

Segundo a engenheira, embora a vida útil do alimento varie conforme o manuseio, o produto na bandeja embalado com o filme dura pelo menos dois dias a mais no supermercado, o que evita desperdício. Na geladeira doméstica, alimentos como tomates e cenouras, embalados individualmente, permanecem intactos por duas semanas, afirma. “Quem mais valoriza o nosso produto é o produtor rural, que busca maior tempo de conservação de alimentos”, conta a engenheira.

Laboratório da Nanox com cabine de segurança biológica para a realização de ensaios antimicrobianos em primeiro plano. Foto: Léo Ramos Chaves

A questão da sustentabilidade é um dos apelos de venda da Nanox. Segundo Minozzi, o agente nanoparticulado dura toda a vida útil do material no qual é aplicado. “Em um tecido, o tratamento antimicrobiano convencional tende a perder suas propriedades após certo número de lavagens. Isso não acontece com o NanoxClean”, declara o empresário. Minozzi diz que quando comparado a outros bactericidas à base de prata, o nanoparticulado também proporciona economia ao fabricante. “As concentrações de prata chegam a ser 10 a 15 vezes menores”, afirma Minozzi, destacando que antimicrobianos à base de prata não são novidade no mercado. O pulo do gato da Nanox foi utilizar processos nanotecnológicos para criar o agente, possibilitando uma menor concentração de prata nos produtos finais. A empresa foi pioneira no país nesse desenvolvimento.

Contudo, o empresário reconhece que introduzir uma nova tecnologia no mercado não é tarefa fácil. Por meio da participação em eventos corporativos e da realização de encontros com empresários, a Nanox tem ido atrás de potenciais clientes e tentado estabelecer parcerias estratégicas para crescer em um ambiente econômico pouco favorável. Para dar suporte aos clientes e convencê-los das vantagens do NanoxClean, a empresa criou um escritório interno que dá suporte para o desenvolvimento de embalagens e outros produtos contendo o agente nanoparticulado. Além de comercializar a tecnologia no Brasil, a empresa exporta para o México, Colômbia, Chile, Paquistão, Argentina e, mais esporadicamente, para Índia, Japão, Turquia, China e Leste Europeu. Mas falta conquistar o mercado norte-americano, o maior do setor — o que os empresários esperam fazer a partir da filial estabelecida por lá.

Para superar as dificuldades rumo à internacionalização, os fundadores da Nanox seguem fiéis às origens, tendo o laboratório como ponto de partida. Assim, para se consolidar no mercado nacional e estabelecer parcerias comerciais no exterior, o propósito da empresa é continuar desenvolvendo inovações. “Nascemos da pesquisa, não podemos esquecer isso”, ressalta Daniel Minozzi.

Projetos
1. Coatings nanoestruturados funcionais para implantes ortopédicos e odontológicos (no 17/20548-1);  Modalidade Pesquisa Inovativa em Pequenas Empresas (Pipe); Convênio Finep; Pesquisador responsável Luiz Gustavo Pagotto Simões (Nanox); Investimento R$ 120.284,92.
2. Síntese e aplicação de materiais fungicidas nanoestruturados (no 15/50113-1); Modalidade Pesquisa Inovativa em Pequenas Empresas (Pipe); Pesquisador responsável Luiz Gustavo Pagotto Simões (Nanox); Investimento R$ 734.552,36.
3. Síntese e aplicação de materiais fungicidas nanoestruturados (no 12/51052-8); Modalidade Pesquisa Inovativa em Pequenas Empresas (Pipe); Pesquisador responsável Luiz Gustavo Pagotto Simões (Nanox); Investimento R$ 142.868,40.
4. Escalonamento e implementação de controle de qualidade para produção de antimicrobianos nanoestruturados para aplicação em cerâmicas e plásticos (no 11/51084-4); Modalidade  Pesquisa Inovativa em Pequenas Empresas (Pipe); Convênio Finep; Pesquisador responsável Luiz Gustavo Pagotto Simões (Nanox); Investimento R$ 396.279,08.
5. Coatings nanoestruturados aplicados a tubulações de setor petroquímico (no 08/53425-0); Modalidade Pesquisa Inovativa em Pequenas Empresas (Pipe); Pesquisador responsável Daniel Tamassia Minozzi (Nanox); Investimento R$ 65.298,56.
6. Aplicação de coating cerâmico em superfícies metálicas (no 04/08778-1);Modalidade Pesquisa Inovativa em Pequenas Empresas (Pipe); Pesquisador responsável Luiz Gustavo Pagotto Simões (Nanox); Investimento R$ 470.429,20.
7. Coatings nanoestruturados transparentes aplicados a materiais vítreos (no 05/55876-1); Modalidade Pesquisa Inovativa em Pequenas Empresas (Pipe); Pesquisador responsável Andre Luiz de Araújo (Nanox); Investimento R$ 382.091,12.
8. Construção de célula hidrotermal microcontrolada aplicada à síntese de compostos nanoestruturados de alta pureza (no 05/51430-9); Modalidade Pesquisa Inovativa em Pequenas Empresas (Pipe); Pesquisador responsável Cristiano Morita Barrado (Nanox); Investimento R$ 238.790,98.

Este texto foi originalmente publicado por Pesquisa FAPESP de acordo com a licença Creative Commons CC-BY-NC-ND. Leia o original aqui.

CDMF

O CDMF é um dos Centros de Pesquisa, Inovação e Difusão (Cepids) apoiados pela Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de São Paulo (Fapesp), e recebe também investimento do Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq), a partir do Instituto Nacional de Ciência e Tecnologia dos Materiais em Nanotecnologia (INCTMN).

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O Laboratório Aberto de Interatividade para Disseminação do Conhecimento Científico e Tecnológico (LAbI), vinculado à Universidade Federal de São Carlos (UFSCar), é voltado à prática da divulgação científica pautada na interatividade; nas relações entre Ciência, Arte e Tecnologia.