Semicondutores contra o coronavírus
Materiais nanotecnológicos emergem como alternativas promissoras no combate ao Sars-CoV-2 e a pandemias futuras
Suzel Tunes – 12/05/2022
A pandemia de Covid-19 suscitou nos dois últimos anos numerosos projetos com foco no desenvolvimento de substâncias e produtos capazes de inativar o novo coronavírus. Entre esses novos materiais começam a se destacar os semicondutores, mais conhecidos por suas aplicações industriais, sobretudo na produção de aparelhos eletrônicos e componentes de automóveis. Dois recentes estudos feitos por pesquisadores vinculados ao Centro de Desenvolvimento de Materiais Funcionais (CDMF), um dos Centros de Pesquisa, Inovação e Difusão (Cepid) financiados pela FAPESP, mostraram o potencial virucida dos semicondutores.
Um dos trabalhos, desenvolvido pelo químico Jeziel Rodrigues Santos durante seu doutorado na Universidade Federal de São Carlos (UFSCar), investigou a ação de nanotubos de silício contra o Sars-CoV-2. Outro, um projeto de pós-doutorado do engenheiro Leandro Silva Rosa Rocha, na mesma instituição, focou as nanopartículas de óxido de cério, conhecidas como nanocéria, contra o novo coronavírus.
A ação de semicondutores contra patógenos se dá costumeiramente por meio de reações de oxidação, destaca o químico Elson Longo, diretor do CDMF e professor emérito do Departamento de Química da UFSCar. “Em geral eliminamos patógenos por meios orgânicos, com o uso de antibióticos. Mas eles podem sofrer transformações e se tornar resistentes”, conta o pesquisador. “Agora, estamos buscando o caminho da química inorgânica, utilizando oxigênio e água.”
Longo explica que o material semicondutor interage com o oxigênio do ar formando um íon negativo e, em seguida, decompõe a molécula da água, também presente no ambiente, em forma de vapor-d’água, levando à formação de um radical hidróxido, altamente oxidante, e um próton. Esse próton interage com o oxigênio, formando o radical peróxido. Os radicais hidroxila e peróxido degradam a superfície do vírus ou da bactéria por oxidação, “queimam” a membrana protetora e inativam o microrganismo. “É o mesmo princípio da água oxigenada que usamos sobre um machucado para matar as bactérias”, resume o diretor do CDMF.
A pesquisa com foco em nanotubos de silício teve seus resultados publicados no Journal of Biomolecular Structure & Dynamics. De acordo com Santos, o silício, na forma de nanotubo, tem o potencial de se ligar a aminoácidos existentes na proteína spike do coronavírus. As propriedades estruturais e eletrônicas do material foram demonstradas de forma teórica, por meio de simulação computacional.
“A estrutura nanotubular apresenta maior superfície de contato, facilitando sua interação com a membrana do vírus”, explica o pesquisador. O trabalho teve parceria da Universidade Estadual de Goiás (UEG) e do Instituto Federal de São Paulo (IFSP).
As propriedades antivirais da sílica combinada com a prata, informa Santos, já eram conhecidas. Tecidos, couro e filmes de PVC tratados com esse material são comercializados pela empresa Nanox, spin-off do CDMF. Segundo Longo, a sílica é um semicondutor que, ativado com a prata metálica, gera moléculas com alto poder oxidante, capazes de inativar 99,9% do novo coronavírus em 15 minutos.
Já as propriedades antivirais dos nanotubos de silício ainda precisam ser mensuradas. “A literatura relata o emprego desse material em armazenamento de energia, carreadores de medicamentos e processos catalíticos, porém não trata de sua propriedade antiviral”, destaca Santos. “Os resultados do nosso trabalho podem contribuir para a compreensão do potencial virucida do material e sua aplicação farmacológica.”
Nanocéria
No caso do óxido de cério, os pesquisadores partiram de uma hipótese levantada no artigo “Nanoceria as a possible agent for the management of Covid-19”, publicado por um grupo indiano no periódico Nano Today, em 2020. Rocha já estudava o óxido de cério como sensor de gás, outra possível aplicação do material, já utilizado no polimento de vidros e espelhos, entre outros empregos industriais.
Com o advento da pandemia, a pesquisa direcionou-se para o combate ao Sars-CoV-2. O primeiro passo foi sintetizar o material. Para o estudo, publicado em fevereiro deste ano na revista Scientific Reports, o óxido de cério foi preparado como um material híbrido contendo uma matriz polimérica, de celulose microcristalina, a fim de viabilizar sua aplicação tanto em superfícies como em uma possível administração in vivo. “As nanopartículas de óxido de cério em sua forma livre são tóxicas ao nosso organismo. Encapsuladas na matriz polimérica, sua toxicidade pode ser anulada”, justifica o pesquisador.
O estudo detectou na estrutura do material a presença dos defeitos necessários para que ele exerça atividade virucida. O pesquisador explica que esses defeitos estruturais são imperfeições no arranjo regular dos átomos, por vacância ou vazio de íons. “Para compensar o defeito, o material reage com a superfície do vírus e, nessa interação, inativa-o.” A literatura científica indica que o fenômeno verificado com a nanocéria deve se repetir com os nanotubos.
O próximo passo da pesquisa com a nanocéria é comprovar sua atividade viral. Essa etapa deve começar em junho, em paralelo com novos estudos de espectroscopia, que irão revelar mais dados sobre a estrutura e as propriedades da nanocéria.
Para a engenheira física Raluca Savu, do Centro de Componentes Semicondutores e Nanotecnologias da Universidade Estadual de Campinas (CCSNano-Unicamp), as pesquisas realizadas no CDMF inserem-se na busca de soluções complementares aos recursos médicos e farmacêuticos existentes para o combate a pandemias. Em 2020, a pesquisadora direcionou seus estudos com óxido de grafeno para o desenvolvimento de máscaras faciais em colaboração com a química Ljubica Tasic, do Instituto de Química da Unicamp.
A parceria resultou em um processo mais sustentável de produção de nanopartículas de prata com capacidade antiviral para aplicação em sprays, embalagens e filtros de máscaras preparados a partir de nanofibras de celulose e óxido de grafeno. “No processo de produção das nanopartículas, usamos como agente redutor um polifenol, composto orgânico extraído da laranja”, explica Tasic. Um pedido de patente do processo de produção da nanopartícula foi depositado e, agora, as pesquisadoras buscam parcerias para iniciar a produção comercial.