Em função da tendência global de aumento nos casos de intoxicação acidental por monóxido de carbono (CO) nos últimos 30 anos, causados principalmente pelo uso de aquecedores domésticos, pesquisadores do Centro de Desenvolvimento de Materiais Funcionais (CDMF) desenvolveram partículas de óxido de cério(IV) – CeO2 – dopadas com cobalto (Co) através do método de síntese hidrotermal assistida por microondas que, por meio de alta radiação eletromagnética, converte energias rotacionais e vibracionais em energia térmica. A finalidade do estudo é investigar o comportamento estrutural, morfológico, espectroscópico e elétrico destes sistemas quando expostos ao monóxido de carbono (CO), em função da modificação com Cobalto (Co).
Intitulada “High-performance CeO2:Co nanostructures for the elimination of accidental poisoning caused by CO intoxication” e recentemente publicada no periódico Open Ceramics, a pesquisa expõe entre suas descobertas que as amostras analisadas de partículas de óxido de cério dopadas com cobalto se demonstraram cristalinas, sem a presença de fases secundárias. O processo de dopagem é a introdução de elementos extrínsecos à rede cristalina, a fim de gerar alterações nas propriedades do material. Quando houve a substituição durante a dopagem de certos átomos de cério (Ce) pelo dopante, que neste caso é o cobalto (Co), este entrou na estrutura cristalina original, sem gerar um outro óxido, ou seja, sem formar a chamada fase secundária.
Para que o processo de condução elétrica se inicie, o sistema demanda uma determinada ‘energia de ativação’, que é modificada por meio das alterações nas configurações ao longo da rede cristalina, originadas através do processo de dopagem. No estudo em questão, os pesquisadores verificaram a presença de duas energias de ativação distintas no processo de condução elétrica.
Este resultado corrobora com o mecanismo de transferência de cargas localizadas ao longo da rede cristalina, que no cério se dá por meio dos saltos quânticos dos elétrons, seja através dos átomos originais ou dos chamados clusters (aglomerados) de defeitos (ou CCCT, cluster-to-cluster charge transfer), esses últimos presentes em função da dopagem. O mecanismo, portanto, resulta em um tempo de resposta ao monóxido de carbono (CO) de apenas três segundos, o que significa que quando é feita a exposição do material a uma atmosfera contendo CO, a resposta elétrica do material tarda 3s para detectar a presença do gás.
“Além disto, através da investigação por espectroscopia de aniquilação de pósitrons (PALS), que permitiu analisar o tamanho e a concentração dos clusters de defeitos presentes na estrutura, pudemos demonstrar que as vacâncias de oxigênio – a ausência de átomos de oxigênio em uma estrutura – são formadas preferencialmente próximas aos íons de cobalto, gerando uma redução do Co e levando à formação de clusters complexos de carga neutra, do tipo Vo-Co2+”, explicou Leandro Rocha, autor da pesquisa e pesquisador do CDMF.
Para complementar a análise realizada pela técnica de PALS, foi aplicada a técnica de XPS (X-rays photoelectron spectroscopy), responsável por irradiar a amostra com uma fonte de raios-X e analisar os fotoelétrons que nela são ejetados, e que carregam consigo informações a respeito da composição química superficial do material. O método, por sua vez, revelou a presença de 63% de espécies Ce(IV) e 37% de Ce(III) praticamente constantes em todos os sistemas estudados.
“Tínhamos um material com tempo de resposta ao monóxido de carbono de 98s, para o sistema puro. Ou seja, uma vez exposto ao gás, o material puro demorava 98s para apresentar uma resposta sensora. Quando modificado com 4% de cobalto, o tempo de resposta melhorou consideravelmente, levando apenas 3s para detectar a presença do gás, enquanto que o sistema modificado com 12% Co teve um tempo de resposta de 485s. Portanto, a capacidade sensora foi deteriorada com o aumento na quantidade de cobalto em função dessa neutralização das vacâncias de oxigênio (Tabela 4)”, disse o pesquisador.
Rocha conta que, além das descobertas recentes, etapas futuras deste estudo incluem experimentos mais detalhados para comprovar a capacidade sensora do material de forma reversível e duradoura, visando sua aplicação em dispositivos sensores, como aqueles encontrados em detectores de fumaça de uso doméstico. Também contribuíram com o desenvolvimento da pesquisa os cientistas Jaqueline C. L. Carvalho, Reny A. Renzetti, Alley M.S. Procópio, Valmor R. Mastelaro, Alexandre Z. Simões, Miguel A. Ponce, Carlos Macchi, Alberto Somoza, Celso M. Aldão , Elson Longo e Francisco Moura.
CDMF
O CDMF, sediado na Universidade Federal de São Carlos (UFSCar), é um dos Centros de Pesquisa, Inovação e Difusão (Cepids) apoiados pela Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de São Paulo (Fapesp), e recebe também investimento do Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq), a partir do Instituto Nacional de Ciência e Tecnologia dos Materiais em Nanotecnologia (INCTMN).