Projeto internacional do CDMF usa nanopartículas em restauração de patrimônio histórico e cultural

Nanociência e nanotecnologia permitiram um importante progresso no uso de nanopartículas, como as baseadas em cálcio e magnésio para a restauração.

Iglesia Nuestra Señora de la Asunción de Corral de Almaguer, em Toledo, Espanha.

Pesquisadores brasileiros da Universidade Federal de São Carlos (UFSCar), membros do Centro de Desenvolvimento de Materiais Funcionais (CDMF), um dos Centros de Pesquisa, Inovação e Difusão (CEPID) apoiados pela FAPESP, vêm desenvolvendo materiais nanoestruturados à base de cálcio e bário específicos para futuras intervenções no patrimônio cultural e histórico mundial. O projeto é fruto de uma cooperação internacional com pesquisadores do grupo de Química do Estado Sólido na Universitat Jaume I (UJI), Espanha, e a “unidad de conservación, restauración e investigación (IVC+R) de CulturArts Generalitat”, um organismo governamental da Comunidade Valenciana específico para a restauração do patrimônio histórico local.

Os materiais utilizados para o estudo estão sendo desenvolvidos graças à experiência adquirida pelo CDMF nos últimos anos para o uso em outras linhas de pesquisa que necessitam de um alto controle das propriedades e características dos materiais, a exemplo das áreas de odontologia, biomedicina e óptica. “Esses materiais são obtidos por rotas sintéticas baratas e verdes, o que facilita o possível uso a larga escala das nanopartículas. Ademais, as mesmas são compostas por elementos não prejudiciais à saúde e ao meio-ambiente”, explica Thales Rafael Machado, que defendeu sua tese de doutorado em Química Inorgânica pelo Programa de Pós-Graduação em Química na Universidade Federal de São Carlos (UFSCar), sob a orientação do Prof. Dr. Elson Longo, diretor do CDMF, cuja sede é no Instituto de Química da Unesp, campus de Araraquara.

Na Espanha, o estudo é desenvolvido na parceria pelo pesquisador Lívio Ferrazza, que resultará em defesa de tese de doutorado sob a orientação dos professores Eloísa Cordoncillo e Héctor Beltrán-Mir, ambos professores da UJI.
A eficiência dos materiais na ação consolidante vem sendo avaliada em suporte pétreo da fachada principal da Iglesia Nuestra Señora de la Asunción de Corral de Almaguer, localizada em Toledo, Espanha. “Os primeiros resultados são promissores, não sendo observadas alterações nas características superficiais dos suportes pétreos (cor, textura, etc.) em nível macroscópico, mantendo intactos os aspectos originais da obra. Ademais, obteve-se uma distribuição do produto bastante uniforme, além de um preenchimento das microcavidades e poros. Este aspecto é crucial, pois permite incrementar a resistência do suporte pétreo frente à ação de pulverização e desagregação”. Machado explica que os materiais promovem a coesão entre os cristais mineralógicos do suporte. Os resultados demonstram que as nanopartículas especificamente desenvolvidas para a restauração de construções históricas apresentam propriedades melhoradas em comparação aos comercialmente vendidos.

Deterioração

Grande parte do patrimônio histórico cultural como monumentos, fachadas, esculturas, decorações parietais e pinturas murais está elaborado com materiais inorgânicos de distintas naturezas, a exemplo de dolomita, mármore, calcário e gesso. Com o passar do tempo, esses materiais sofrem inevitável envelhecimento devido à sua composição mineralógica e textura. A deterioração também ocorre como resultado de processos físico-químicos ocasionados por agentes meio-ambientais externos, incluindo a água, eflorescências salinas, ciclos de congelamento-descongelamento, etc..
Nos últimos anos, a contaminação atmosférica vem aumentando de maneira exponencial devido à queima de combustíveis fósseis, como o petróleo e o carvão. As modificações das propriedades químicas, físicas e biológicas do ar como efeito desse incremento são agentes catalisadores na deterioração do patrimônio histórico. Uma das principais preocupações atuais está nas pedras calcárias e pinturas murais. As mesmas estão presentes de forma abundante no setor artístico e arquitetônico, e o dióxido de carbono (CO2), óxidos de enxofre (SOx), óxidos de nitrogênio (NxOx) e partículas presentes na atmosfera são reativos a esses materiais.

Restauração

As intervenções com o objetivo de restaurar as superfícies artísticas são comuns desde a antiguidade. Elas eram feitas principalmente com o intuito de evitar a entrada de umidade no sistema poroso do suporte ao aumentar a coesão e adesão interna dos constituintes, pois a água é o agente fundamental na maior parte dos processos de deterioração. Essas intervenções também tinham como objetivo aumentar a resistência mecânica frente a futuros agentes de deterioração. No início, produtos similares aos que compõe as superfícies eram utilizados para restaurar. Entretanto, isto causava pouca penetração do substrato, alterações estéticas e de aspecto da obra.
Com a revolução industrial e desenvolvimento da química moderna, a oferta de produtos no mercado para a restauração aumentaram consideravelmente, como fixadores orgânicos, resinas acrílicas e polímeros vinílicos, tetraoxisilanos, silicato de etilo, hidróxido de cálcio e de bário. Entretanto, até pouco tempo não se fabricavam produtos especialmente desenhados para a conservação do patrimônio histórico, senão os que se desenvolviam para outras aplicações, geralmente industriais e, posteriormente, se incorporavam ao campo da restauração. A aplicação de maneira indiscriminada em numerosas obras e monumentos causava, na maioria dos casos, mais danos que benefícios em curto período de tempo. Ou seja, hoje em dia a deterioração causada por antigas intervenções com produtos não compatíveis físico-quimicamente com o substrato da obra é um problema real.
O pesquisador explica que é importante conhecer os efeitos que os materiais utilizados podem produzir sobre a pedra ou pintura mural e assegurar que não vão gerar outros danos que, às vezes, podem ser mais prejudiciais que a própria ação do tempo, intempéries e da contaminação atmosférica. Neste sentido, a nanociência e nanotecnologia permitiram um importante progresso nos últimos anos no uso de nanopartículas, como as baseadas em cálcio e magnésio para a restauração. “Entretanto, deve existir certa cautela na hora de aplicar os mesmos para não cometer os mesmos erros do passado, pois existe uma grande variedade de materiais utilizados na elaboração de construções e pinturas murais. Ou seja, um produto pode ser adequado seguindo os padrões de conservação para um tipo de condições, mas totalmente danoso sobre outras condições”, finaliza Machado.

Contato com o pesquisador:
Thales Rafael Machado
Email: tmachado.quimica@gmail.com
Tel.: (16) 3351-8214

Sobre Jose Angelo Santilli 55 Artigos
Especialização em Jornalismo Científico pelo Laboratório de Estudos Avançados em Jornalismo (Labjor) da Universidade Estadual de Campinas -Unicamp - (2000). Tem experiência na área de Comunicação, com ênfase em jornalismo científico.