Por José Angelo Santilli
Desde o início da emergência sanitária causada pela pandemia os trabalhos de pesquisa no Centro de Desenvolvimento de Materiais Funcionais (CDMF) foram realinhados para o desenvolvimento de tecnologias e soluções para o enfrentamento do novo coronavírus (SARS-CoV-2), causador da CIVID-19. Sediado na Universidade Federal de São Carlos (UFSCar), o CDMF é um dos Centros de Pesquisa, Inovação e Difusão (Cepids) apoiados pela Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de São Paulo (Fapesp), e recebe também investimento do Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq), a partir do Instituto Nacional de Ciência e Tecnologia dos Materiais em Nanotecnologia (INCTMN).
Testes rápidos e portáteis
Resultado desse esforço é a criação de dois tipos de testes rápidos e portáteis que podem detectar precisamente a COVID-19 usando apena uma gota de saliva, podendo, ainda, fornecer o resultado em tempo real. O trabalho foi desenvolvido por pesquisadoras do Centro de Tecnologia da Informação Renato Archer (CTI) em parceria com o CDMF e a startup Visto.Bio. Diferente dos testes portáteis encontrados no mercado, os modelos desenvolvidos utilizam uma base sensora eletroquímica descartável contendo nanoestruturas de óxido de zinco, e têm como objetivo primário a detecção da proteína “Spike” (um fragmento do vírus) ou do próprio vírus. Isso permite com que seja possível diagnosticar a doença a partir do surgimento dos primeiros sintomas nos dias iniciais.
No teste do tipo imunossensor, o anticorpo da proteína do vírus é imobilizado nas nanoestruturas e, quando em contato com a amostra de saliva contaminada, se liga à proteína “Spike” fornecendo um sinal elétrico característico. A depender da concentração, o imunossensor é capaz de identificar quantidades da proteína tão pequenas quanto 5 pg/mL sem reação cruzada com outras proteínas.
Já no teste do tipo polímero impresso com vírus (VIP), foram aplicadas amostras do vírus isolado para construção de um molde do vírus na camada polimérica depositada na base sensora. A precisão do molde quanto ao formato do vírus e a capacidade de detectá-lo,via encaixe, foi comprovada durante a exposição do teste aos vírus causadores de doenças respiratórias, como o SARS-CoV-2, causador da COVID-19, e o Vírus Sincicial Respiratório (VSR).
Dentre as vantagens do VIP estão à possibilidade de realizar a detecção na saliva e em gotículas da respiração, além do armazenamento em temperatura ambiente, uma vez que não contém material biológico, e pode ser usado em regiões sem ou com difícil acesso à eletricidade.
De acordo com Talita Mazon, pesquisadora do CTI e integrante do CDMF, o teste VIP precisa ainda ser avaliado na presença do vírus ativo, uma vez que os testes foram desenvolvidos com vírus inativado, devido à falta de infraestrutura de biossegurança necessária para o manuseio do vírus ativo.
Nova formulação de aditivos para álcool 70%
O pesquisador Luiz Fernando Gorup, professor da Universidade Federal da Grande Dourados (UFGD) e integrante do CDMF, desenvolveu em parceria com Eduardo José Arruda e Kelly Mari Pires de Oliveira, também professores da UFGá, e outros pesquisadores, uma nova formulação de aditivos para potencializar a ação microbicida do álcool 70%, que teve uso popularizado durante a pandemia.
A pesquisa buscou o desenvolvimento de formulações que permitissem aumentar o tempo de proteção às superfícies mesmo depois da evaporação do álcool. Os pesquisadores optaram pela aditivação por surfactantes que proporcionaram um aumento na proteção contra bactérias, fungos e vírus devido a formação de um filme bioativo que permanece atuando nas superfícies mesmo após a evaporação do álcool.
Os surfactantes catiônicos utilizados (+) interagem com as superfícies e microrganismos com carga negativa (-), ocasionando o rompimento da camada de proteção desses microrganismos e causando sua inativação. A formulação desenvolvida contém uma concentração muito pequena de surfactantes, respeitando os limites de segurança dos produtos para uso humano e\ou utilização nas superfícies de pisos, mesas, móveis, objetos e máscaras.
Inovação antiviral
O CDMF, em parceria com a Nanox, a Universitat Jaume I (UJI), na Espanha, e o Instituto de Ciências Biomédicas da Universidade de São Paulo (ICB-USP), desenvolveram uma tecnologia pesquisa pioneira no mundo que comprovou a eficácia de nanopartículas de prata e sílica produzidas no Centro na inativação do novo coronavírus (SAERS-Cov-2).
O trabalho comprovou a ação das partículas na inativação do SARS-Cov-2 em superfícies como tecidos, máscaras, equipamentos hospitalares, entre outros, e sua utilização nesses materiais se tornaram uma importante ferramenta no combate à pandemia de COVID – 19.
As novas partículas já foram aplicadas na máscara reutilizável OTO, atualmente em produção pela ELKA, e mais recentemente em tecidos e permitindo um gama maior de aplicações que incluem Equipamentos de Proteção Individual (EPIs) e vestimentas para uso hospitalar.
Também foi desenvolvido um filme plástico adesivo para proteção de superfícies, como maçanetas, corrimãos, botões de elevadores e telas sensíveis ao toque que é capaz de inativar o novo coronavírus por contato. Lançado pela indústria Promaflex, o material possui micropartículas de prata e sílica incorporadas em sua estrutura, desenvolvidas pela empresa Nanox, apoiada pelo Programa FAPESP Pesquisa Inovativa em Pequenas Empresas (PIPE). Em testes feitos no laboratório de biossegurança de nível 3 (NB3) do Instituto de Ciências Biomédicas da Universidade de São Paulo (ICB-USP), o material à base de polietileno demonstrou ser capaz de eliminar 99,84% de partículas do SARS-CoV-2 após dois minutos de contato. Gustavo Simões, co-fundador e CEO da Nanox Tecnologia, investiga os efeitos bactericidas e fungicidas das nanopartículas de prata desde seu doutorado, sob a orientação do professor Elson Longo.
Pioneirismo
Essas inovações foram possíveis durante a pandemia em virtude do conhecimento acumulado por pesquisas desenvolvidas no CDMF há 14 anos com as nanopartículas de prata e sílica. “Quando o novo coronavírus chegou, a tecnologia já estava desenvolvida para matar bactérias e vírus”, explica Elson Longo, Professor Emérito da UFSCar e diretor do CDMF.
O vírus morre devido a um processo de oxidação. “A química orgânica é geralmente usada em processos de remoção de fungos e bactérias. Mas a equipe procurou outra maneira, a Química Inorgânica, combinada com semicondutores. Com sílica e prata metálica, há um efeito plasmônico da prata”, disse Longo.
Esse fenômeno pode absorver elétrons ou fornecer elétrons facilmente. “Vimos que os semicondutores tinham uma grande capacidade de quebrar a molécula de água, formando um radical hidróxido e um próton. Do outro lado, há um elétron para o oxigênio, que forma um íon peróxido e absorve esse próton e forma um radical peróxido. Este radical peróxido e o radical hidróxido oxidam bactérias, fungos e vírus”, explica.