André Moura, o cientista que descobriu um material capaz de ficar invisível
Renata Baptista
De Tilt, em São Paulo
29/08/2021 10h36
Serendipidade. O dom de estar na hora certa, no lugar certo foi o que fez o professor André Farias de Moura, da UFSCar (Universidade Federal de São Carlos), dar um novo rumo a suas pesquisas. Ele mesmo explica que durante toda sua carreira procurou trabalhar com simulação computacional realista, mas “por um feliz acaso” assistiu a um seminário do pesquisador Nicholas Kotov, da Universidade de Michigan, que estava na faculdade.
Era 2012 e ele estava diante de um craque da nanotecnologia. Moura conta que achou tudo fascinante, mas um dos slides mostrados na apresentação chamou sua atenção.
“Esperei a hora do intervalo para levar minha discordância a ele. Pedi para um aluno buscar um notebook com um modelo que tínhamos feito e, a partir daí, começou a nossa parceria.”
Desde então, foram inúmeros artigos publicados. Um dos mais famosos revelou a capacidade de um composto de nanopartículas ficar invisível.
O estudo sobre o óxido de cobalto sintetizado na presença do aminoácido L-cisteína saiu na renomada revista “Science”, em 2018. “Conseguimos deixar um material mais ou menos visível para uma certa luz”, explica. “Mas a aplicação disso tem muito mais a ver com saúde do que com uma capa da invisibilidade.”
Aplicação
Infelizmente a capa do Harry Potter ainda é um sonho distante, mas a possibilidade de “ligar ou desligar” um material utilizando luz e magnetismo também é bem animadora e de uma importância sem igual.
Ele dá um exemplo concreto de como essa capacidade pode ser revolucionária: numa terapia para tratar um tumor, vai ser possível enviar um medicamento até o órgão doente sem precisar causar dano ao corpo no caminho. Será possível “ligá-lo” somente quando atingir o tecido específico.
Em terapias gênicas, como a Crispr-Cas9, em que os médicos editam o DNA de uma proteína usando nanopartículas, as “tesouras” não poderiam estar “ligadas” desde o início.
“Se eu injeto assim, o material vai sair cortando tudo o que encontrar pela frente”, diz. O caminho é aplicá-lo inativo no corpo e aciona-lo usando um campo magnético e uma fonte de luz, de comprimento específico, de modo a ir aumentando o controle”, explica.
O futuro dos nanomateriais
Mais do que pensar em novos nanomateriais, Moura acredita que é preciso pensar em mais pesquisas. “Foi graças a estudos desenvolvidos há muitos anos que conseguimos, rapidamente, desenvolver soluções para a serem aplicadas no combate contra o covid-19”, lembra.
Um exemplo disso foram as máscaras antivirais feitas na UFSCar, que tiveram como fundamento estudos feitos oito anos antes com nanopartículas de prata.
O pesquisador sonha também em ter mais acesso a supercomputadores, que podem revolucionar a velocidade com que os cientistas obtêm respostas.
Moura sabe que é um privilegiado por usar o SDumont, do Laboratório Nacional de Computação Científica (LNCC), em Petrópolis (RJ), um dos supercomputadores mais potentes do mundo. Mas, na ânsia por resultados, quer mais.
“Desde o início da pandemia, voltamos nossas pesquisas para o estudo da covid-19”, explica. “Fazer modelos realistas e as simulações com o vírus Sars Cov-2 é muito pesado. O tempo que tenho disponível já não é mais suficiente.”
Como anda a ciência brasileira
O cientista brasileiro é muito bom, ressalta o professor. “Mas temos que parar de fazer pesquisa fast-food, fatiada e pequena, e publicar artigos pequeninos. Essa é uma ciência que não tem profundidade ou alcance”, defende.
A mudança, no entanto, depende de um esforço maior. É preciso convencer as agências de fomento a fornecerem prazos maiores para pesquisas de fôlego.
E faltam, claro, recursos para financiamento, especialmente agora que houve um grande corte nos investimentos vindos do CNPq (Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico).
Ele descreve como é ser pesquisador no Brasil: “É preciso se sacrificar para ter resultados. Em determinado estudo, tive que comprar um notebook e trabalhei sem equipe, fazendo eu mesmo as pesquisas. Desgastei até mesmo minha saúde e sacrifiquei meus fins de semana por quatro anos.”
Este texto faz parte da série “Made In Brazil“, que descreve o trabalho de 12 cientistas brasileiros que brilham criando supermateriais (e já falou sobre os cientistas que estão revolucionando o combate ao coronavírus). Estudando partículas de um milionésimo de milímetro, eles se debruçam para achar respostas capazes de revolucionar o futuro da humanidade. Leia mais aqui.
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CDMF
O CDMF é um dos Centros de Pesquisa, Inovação e Difusão (Cepids) apoiados pela Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de São Paulo (Fapesp), e recebe também investimento do Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq), a partir do Instituto Nacional de Ciência e Tecnologia dos Materiais em Nanotecnologia (INCTMN).