ENERGIA VERDE PARA DAR E VENDER

Entrevista de Ernesto Pereira para o site da Embrapii

ENERGIA VERDE PARA DAR E VENDER

A Unidade Embrapii UFSCar-Materiais, localizada na Universidade Federal de São Carlos, concentra seus esforços na pesquisa e desenvolvimento de materiais com diversas aplicações. Dentre as áreas de pesquisa destacadas, está o uso de materiais para a promoção da energia verde, um tópico de extrema importância em um mundo que enfrenta desafios decorrentes das mudanças climáticas e demanda cada vez mais por soluções sustentáveis.

Em maio deste ano, o relatório do Grupo Banco Mundial destacou a posição privilegiada do Brasil em termos de acesso a energias renováveis. Quase metade de toda a energia usada no país — mais de 80% no caso da energia elétrica — já vem de fontes renováveis, em comparação com as médias mundiais entre 15% e 27%.  Isso demonstra que o Brasil tem uma grande vantagem competitiva no crescente mercado global de bens e serviços mais verdes.

Para aprofundarmos o assunto, conversamos com Ernesto Pereira, coordenador da Unidade, um renomado especialista nessa área. Ele enfatiza a importância do Brasil aproveitar o seu potencial no setor, visando liderar o cenário internacional com iniciativas de vanguarda na produção de energia que contribuam para a preservação do meio ambiente e a sustentabilidade. Confira a entrevista a seguir:

Como o senhor avalia o atual cenário de energias renováveis no Brasil e qual é o potencial de crescimento dessas fontes de energia, considerando a inovação como um pilar fundamental?

O Brasil, nessa questão da energia renovável, é único no mundo. Se considerarmos todas as formas de matriz energética, ele tem 48% dela renovável. Para você ter uma ideia, o resto do mundo é 15%. Agora, temos um pouco mais de 80% de matriz de energia elétrica renovável e, considerando esse aspecto, o Brasil é único no mundo. Estamos falando da energia instalada. Temos uma possibilidade de expansão de energia renovável muito maior do que temos hoje. É energia verde para dar e vender. 

Agora, vender energia é vender commoditties, é o equivalente a vender café, minério de ferro ou soja. E, por outro lado, como temos essa grande matriz de energia elétrica renovável, poderíamos agregar valor, desenvolver produtos de alto valor agregado, usando energia verde na produção, minimizando a emissão de CO2, ao invés de simplesmente exportar essa energia como já está começando a acontecer. Não precisávamos fazer isso dessa forma, poderíamos agregar valor nas áreas estratégicas para o cenário brasileiro, fazer fertilizantes verdes, lá na frente, aço verde. Esse é o momento e oportunidade da gente transformar. 

Quais são os principais desafios e oportunidades que o país enfrenta no caminho para se tornar uma referência global em energia verde? Como a inovação pode ajudar a superar esses desafios?

O primeiro desafio é a regulamentação em relação a toda essa produção de energia verde, do que pode ou não ser feito. Temos também que desenvolver novas metodologias, porque as que existem, mesmo sendo verdes e de baixo impacto, precisam ser mensuradas. Não tem como promover uma ação humana que não provoque impacto nos ecossistemas e precisamos medir esse reflexo. Mas já temos tecnologias vigentes de boa qualidade, que nos próximos anos devem ser melhoradas. Existe a produção de energia eólica, produção de energia fotovoltaica, a partir de biomassa. Quais são os desafios: regulamentação e um desenvolvimento tecnológico contínuo para estar sempre na fronteira, já que temos energia verde disponível em grande quantidade. 

Tem um estudo feito pela EPE (Empresa de Pesquisa Energética)  que fala que o potencial de geração de energia eólica offshore (em alto mar) é 25 vezes o que temos instalados hoje, com 190 gigawatts de energia elétrica e o potencial é de 5500 gigawatts. Destes, 1200 são somente um pouco mais caros do que a instalação eólica onshore (fora do mar). Isso é importante porque a costa brasileira é rasa até uma distância relativa mar à dentro. Por conta disso, a instalação do moinho para geração de energia é mais baixa do que se for fazer no mar do norte, perto da Inglaterra, Noruega, onde tem grandes profundidades e a metodologia para instalar é mais cara. Aqui também tem outro detalhe importante. O Brasil tem expertise de exploração de águas profundas por conta da exploração do pré-sal. A Petrobras desenvolveu diversas tecnologias. Então esses são os desafios: regulamentação, mapeamento da oportunidade, instalação de usinas de baixo impacto ambiental e agregação de valor, através do uso dessa energia verde para desenvolver novos produtos. 

Em termos de parcerias e colaborações, como o setor privado, o governo e os centros de pesquisa podem trabalhar em conjunto com a Embrapii para impulsionar a transição para fontes de energia limpa e renovável no país?

Hoje, no Brasil, existe competência nas mais variadas áreas necessárias para o desenvolvimento desse potencial de energia elétrica verde que temos no país. Desde a construção dos dispositivos, até o desenvolvimento de novos materiais para construí-los, estabilidade a longo prazo, linhas de transmissão, sistemas de controle, especialistas brasileiros, cientistas e muitos profissionais que já estão no mercado de trabalho têm conhecimento necessário para esse desenvolvimento. Aqui coloco a Embrapii, que tem papel de interface que, para mim, é um grande divisor de águas que aconteceu no Brasil pela forma que trabalha: agilidade, velocidade e a inexistência de um processo seletivo. Não tem espera significativa para depois descobrir que seu projeto não foi contemplado. A expertise que existe, as ações da Embrapii e as ações governamentais – o Brasil tem muitas demandas de reembolsos tributários para quem investe em pesquisa de desenvolvimento -, além da formação contínua de novos profissionais, fazem parte desse contexto como um todo de ações estruturantes para o aproveitamento da energia verde. 

Qual é o papel da Embrapii na promoção da inovação no setor de energia verde no Brasil, e de que maneira ela tem contribuído para acelerar o desenvolvimento de tecnologias limpas e sustentáveis?

Sou um fã da Embrapii, considero ela um divisor de águas. Quando tive oportunidade de conhecer como ela opera, fiquei impressionado como isso é importante para o desenvolvimento do setor produtivo brasileiro, o setor industrial. E veja, em todo seu espectro, da agroindústria à mineração. 

A Embrapii, na verdade, trabalha de duas formas e acho uma tão importante quanto a outra. A primeira é o co-financiamento. No contrato padrão, o projeto, desenvolvido por uma unidade credenciada Embrapii, paga até um terço financeiro do projeto. A instituição, a Universidade ou Organização Social paga até um terço do projeto e a empresa paga, no mínimo, um terço do projeto financeiro. Mas a outra coisa que a Embrapii propicia é o hub, onde as pessoas se encontram; lugar onde a empresa sabe que pode procurar a Unidade Embrapii que, por sua vez, vai buscar o especialista técnico dentro da instituição para o desenvolvimento do projeto. Na minha opinião isso é tão importante quanto o co-financiamento, porque até então, antes da Universidade Federal de São Carlos ser uma Unidade credenciada Embrapii, era comum a secretária de departamento mandar um e-mail para todos os docentes pedindo para alguém colaborar com o projeto de determinada empresa. Quer dizer, a empresa não sabia quem procurar, mas agora sabe. Dentro do nosso escopo, a empresa nos procura e o nosso papel é localizar dentro da universidade o especialista técnico para resolver o problema que a empresa está demandando. Essa forma de trabalhar é realmente disruptiva e transformadora. 

Hoje, o mundo todo busca por novas fontes de energia, em alinhamento aos acordos globais de redução de emissões de gases. Você considera que o Brasil pode surfar nessa onda e se colocar como um ator importante nessa corrida pelo desenvolvimento de novas soluções em energia limpa?

O Brasil é único. Porque quando a gente fala em um amplo impacto ambiental de ação humana sobre a natureza é importante lembrarmos que a energia é um dos pilares. Mas acho que dois outros são importantes também: um é a água, e aqui no Brasil temos uma quantidade disponível muito grande; e a outra é manejo de resíduos. Rotas sustentáveis de produção, que inclui a energia verde, mas não só isso, a rota também tem de ser sustentável. O acesso, a manipulação, a distribuição, a água de qualidade e o manejo deste resíduo de água para reuso. E finalmente essa quantidade grande que cada ser humano gera de lixo todo dia tem de ser devidamente destinada. Tem de ser alocada de forma que minimize seu impacto ambiental e  desenvolver tecnologias de reúso desse resíduo. Existem muitas formas de fazê-los, sejam sintéticos ou orgânicos. Na minha opinião, o Brasil hoje está em primeiro lugar nessa questão do uso da energia verde. É este o momento que vivemos.

Como fazer para permanecer nessa dianteira? Instalar mais energia renovável e, em um segundo momento, usar mais dela para agregar valor a produtos feitos aqui no Brasil e depois exportados. Não estar mais exportando commodities, matéria-prima, mas produtos de alto valor agregado.

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O Laboratório Aberto de Interatividade para Disseminação do Conhecimento Científico e Tecnológico (LAbI), vinculado à Universidade Federal de São Carlos (UFSCar), é voltado à prática da divulgação científica pautada na interatividade; nas relações entre Ciência, Arte e Tecnologia.