A pesquisadora do Centro de Tecnologia da Informação “Renato Archer” (CTI) e integrante do Centro de Desenvolvimento de Materiais Funcionais (CDMF), Talita Mazon, é uma das entrevistadas em reportagem de Daniel Giovanaz, publicada no Brasil de Fato, falando sobre testes de COVID-19 desenvolvidos com tecnologia nacional. Confira abaixo:
Governo abriu mão de ter sensores baratos e eficazes para detecção precoce de covid no SUS
Tecnologia nacional não está disponível aos brasileiros por decisões políticas de Jair Bolsonaro e seus ministros
Daniel GiovanazBrasil de Fato | São Paulo (SP) | 20 de Setembro de 2021 às 08:01
Cientistas brasileiros desenvolveram uma tecnologia inovadora para detecção precoce do novo coronavírus: um dispositivo portátil, acoplado ao celular por meio de um leitor USB, que teria eficácia similar ao exame PCR – feito a partir da coleta de mucosa do nariz e da garganta.
Esse biossensor, resultado de pesquisas iniciadas há sete anos, ainda não está disponível no mercado nem no Sistema Único de Saúde (SUS) por decisões políticas do governo Jair Bolsonaro (sem partido).
Estudos sobre o tema foram desenvolvidos paralelamente no Centro de Tecnologia da Informação (CTI) Renato Archer, vinculado ao Ministério da Ciência, Tecnologia e Inovações (MCTI), e no Centro Nacional de Tecnologia Eletrônica Avançada (Ceitec), estatal fabricante de chips e semicondutores criada pelo governo Lula (PT) em 2008.
Em junho de 2020, o Ministério da Economia iniciou o processo de liquidação do Ceitec, impedindo o avanço daquele projeto.
“O Ceitec já tinha uma tecnologia própria, um pouquinho diferente da minha”, conta Talita Mazon, doutora em Química e tecnologista sênior no CTI Renato Archer, com sede em Campinas (SP).
“Eu cheguei a fazer alguns testes para validar rapidamente o biossensor deles para covid. Era uma tecnologia que já poderia estar no mercado, porque eles já tinham capacidade de produzir em larga escala”, completa.
A linha de produção de sensores eletroquímicos do Ceitec custou, em valores atualizados, cerca de R$ 18 milhões aos cofres públicos. A sede da empresa fica em Porto Alegre (RS).
Com o desmonte dessa estatal, o aperfeiçoamento das pesquisas e a validação dos testes só foi possível graças a uma empresa privada – a startup Visto.bio, parceira do CTI desde 2020.
Enquanto cada exame PCR custa em média R$ 340 e deve ser feito de 3 a 10 dias após o início dos sintomas, o dispositivo anunciado na página da Visto.bio detecta o coronavírus desde o instante zero da infecção, só com a saliva, segundo informações disponibilizadas pela empresa.
O custo de um leitor, para realizar até 10 mil testes, é de R$ 300 – mais R$ 10 de um refil descartável a cada nova testagem.
“A gente comprou todos os equipamentos e dispositivos necessários para o desenvolvimento. Por conta de [o CTI] ser um órgão público, doamos todo o material”, explica Renan Serrano, CEO da Visto.bio. “Então, a gente dividiu a patente com o CTI, 50-50.”
A empresa também custeou, no primeiro semestre, a validação do biossensor para detecção de covid-19. Foram testadas com sucesso 70 pessoas no Hospital das Clínicas da Universidade Estadual Paulista (Unesp), em Botucatu (SP).
Além do preço, o diferencial é que o resultado é obtido em apenas 15 segundos, enquanto o PCR leva até 7 dias úteis.
O dispositivo está em fase final de validação junto à Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa), que pede uma análise clínica com mil pessoas.
Única empresa pública capaz de produzir sensores em escala industrial, o Ceitec poderia agilizar os processos de validação e autorização se não estivesse em pleno desmonte.
Números de maio da plataforma “Nosso Mundo em Dados”, ligada à Universidade de Oxford, mostravam que o Brasil era apenas o 78º país do mundo em testes de covid realizados. Enquanto Chile e Austrália faziam mais de 700 testes por mil habitantes, no Brasil eram apenas 149.
A testagem e o rastreio são considerados essenciais pela Organização Mundial da Saúde (OMS) para o controle da pandemia.
Sem adotar essas políticas, o Brasil deve atingir, ainda em setembro, a marca de 600 mil mortos em decorrência do novo coronavírus.
Histórico
As pesquisas para desenvolvimento de biossensores começaram no CTI há cerca de sete anos.
“Assim que surgiu o surto do zika vírus [em 2015], nós adaptamos a base, fomos aperfeiçoando e aprofundando. Quando íamos começar a validação com amostras, veio a pandemia de covid-19, então a gente adaptou o teste novamente”, relata a pesquisadora Talita Mazon.
A tecnologia que está prestes a ser disponibilizada no mercado pela Visto.bio poderia ser adaptada para detecção de qualquer doença infecciosa. Basta substituir o material biológico adicionado ao sensor.
“A gente usava um anticorpo para identificar a proteína NS1, que era específica da zika. Nesse [da covid], a gente escolheu um material biológico para detectar a espícula [proteína que recobre o vírus]”, explica a tecnologista sênior do CTI.
O primeiro artigo publicado pelo grupo de Talita Mazon nessa área foi sobre um biomarcador de câncer de ovário.
Em seguida, a tecnologia foi adaptada para desenvolvimento de um sensor para nefropatia diabética – a partir de uma demanda da Faculdade de Ciências Médicas da Universidade Estadual de Campinas (Unicamp).
“Era importante detectá-la [nefropatia] já no início, para poder evitar que o paciente chegasse logo à hemodiálise”, lembra.
Na mesma época, pesquisadores do sul do país também obtiveram avanços importantes.
O físico Vinícius Zoldan, especialista em tecnologia eletrônica avançada do Ceitec, participou de um projeto aprovado na área de detectores em um edital do Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq) em 2016.
“Na época, a ideia foi um detector de micro RNA, focado principalmente no diagnóstico precoce do câncer”, explica Zoldan.
“Esse foi o ponto de partida da linha de sensores dentro do Ceitec. Porque não é algo que se cria da noite para o dia”, ressalta.
A verba foi liberada pelo CNPq a partir de 2017. Os primeiros testes de sensibilidade foram realizados em agosto de 2018.
Em dezembro daquele ano, um dispositivo para separação do plasma sanguíneo foi testado com sucesso pela primeira vez.
O projeto foi desenvolvido em parceria com pesquisadores da Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC), das áreas de eletroquímica e farmácia, e resultou no registro de uma primeira patente.
A partir de 2019, o Ceitec passou a otimizar o processo produtivo para aprimorar a sensibilidade do dispositivo.
“Para chegarmos a esse sensor de RNA, tivemos que fazer novos desenvolvimentos internos, e isso foi abrindo várias possibilidades. Entre elas, utilizar essa plataforma como sensores eletroquímicos”, relata Vinícius Zoldan.
De volta ao CTI
Em 2019, um artigo escrito pela equipe de Talita Mazon no CTI sobre biossensores para detecção de doenças ficou entre os 100 mais acessados da área de química na Scientific Reports, publicação científica do grupo britânico Nature.
O texto teve mais de 1,6 mil downloads e detalhava os avanços no desenvolvimento de sensores de baixo custo para detecção de doenças como câncer, Parkinson e zika.
Pesquisas sobre o tema se tornaram comuns em universidades públicas nos últimos dois anos.
“Há cada vez mais interesse internacional por testes rápidos, que sejam portáteis e menos invasivos, sem precisar tirar sangue”, explica Mazon.
Em fevereiro de 2020, o Ceitec começou a ser procurado por instituições interessadas em parcerias para fabricação desses sensores. Além dos avanços dos cinco anos anteriores, a estatal chamava atenção por sua capacidade de produção.
“Havíamos feito um sensor de glicose, simplesmente para mostrar que nosso sensor eletroquímico conseguia perceber pequenas variações em uma solução. A gente demonstrou que era algo rápido e portátil, que poderia ser controlado via celular”, enfatiza Vinícius Zoldan, que liderava as pesquisas no Ceitec.
“A gente mostrou toda a viabilidade, mostrou que era rápido, e ressaltou que o Ceitec tinha capacidade de produção em escala desses sensores.”
Internacionalmente, o dispositivo é conhecido como lab-on-chip, termo em inglês que significa “laboratório dentro de um chip.”
Parceria interrompida
Dois meses após o primeiro caso de covid-19 no Brasil, o Ceitec já assegurava ter capacidade de fabricar sensores eletroquímicos em grandes volumes. Foi o que escreveu Marcos Tadeu de Lorenzi, diretor técnico e de negócios da estatal, em carta ao professor Jorge Luiz Pesquero, doutor em biologia molecular, em 30 de abril de 2020.
Pesquero coordenava um grupo de pesquisa sobre o tema na Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG).
“A produção de sensores eletroquímicos destinados a testes rápidos (…) [é] uma tecnologia robusta, de baixo custo de produção, e que gera resultados rápidos. A Ceitec já desenvolve uma plataforma integrada para testes eletroquímicos, a qual permitirá que os testes sejam realizados usando um simples smartphone”, escreveu de Lorenzi.
“A Ceitec possui toda a linha de teste e encapsulamento totalmente operante. (…) Por exemplo, possui capacidade de produção que pode chegar a mais de 1 milhão de unidades por mês”, completou o diretor técnico e de negócios da estatal, em carta obtida com exclusividade pelo Brasil de Fato.
Especialistas do Ceitec ouvidos pela reportagem confirmaram que a capacidade aproximada era de 1,5 milhão de unidades por mês.
Após contatos de várias universidades e centros de pesquisa, foi concretizada uma parceria entre o Ceitec, o CTI Renato Archer e o Instituto de Biologia Molecular do Paraná (IBMP) – associação de direito privado, sem fins lucrativos.
Uma carta de intenções, em 23 de julho de 2020, formalizou o desejo das três instituições de cooperar para “validação de sensores para aplicações biológicas, com potencialidade de produção em escala, e com versatilidade para soluções personalizadas envolvendo diferentes cenários de diagnóstico como, por exemplo, para zika vírus e covid-19.”
O documento foi assinado pelo diretor do CTI, Jorge Vicente Lopes da Silva, pelo presidente do Ceitec, Paulo de Tarso Mendes Luna, e pelo diretor-presidente do IBMP, Pedro Ribeiro Barbosa.
A parceria também envolvia cientistas da Fundação Oswaldo Cruz (Fiocruz) no Paraná, com uma tarefa específica.
“Nem sempre o que se consegue produzir de forma manual em um laboratório é viável como produto. Esse era um dos pontos importantes da Fiocruz na parceria”, explica Zoldan, especialista em tecnologia eletrônica avançada do Ceitec.
“Eles avaliavam até que ponto o projeto era comercialmente atrativo, considerando o custo para transformar o protótipo em produto.”
No mesmo mês, o projeto “Desenvolvimentos colaborativos multicêntricos de testes point of care (POC) para diagnóstico de covid-19”, elaborado pelas três instituições, ficou de fora da lista de aprovados em edital do CNPq para enfrentamento da pandemia.
“A gente tentou vários editais. Mas o Ceitec, infelizmente, entrou em liquidação e ficou muito complicado desenvolver com eles”, relata Talita Mazon.
Em 25 de agosto de 2020, em plena liquidação, o Ceitec registrou uma solicitação de patente no Instituto Nacional da Propriedade Industrial (INPI) com o título “Dispositivo sensor eletroquímico do tipo micromódulo”.
“A presente invenção refere-se a um micromódulo eletroquímico formado pela integração de um chip sensor com um substrato flexível de múltiplos terminais, contendo uma cavidade eletroquímica para receber a amostra fluida”, dizia a descrição técnica do pedido.
Essa patente foi aceita e publicada oficialmente em 6 de abril deste ano – com a estatal já praticamente desmontada e incapaz de produzir sensores.
Na lista de inventores, além de Zoldan, constam os engenheiros mecânicos Eduardo Poletto Höehr e Jefferson Frasson e os físicos Ronald Tararam, Artur Pfeifer Coelho e Ludmar Guedes Matos.
A liquidação
O desmonte do Ceitec pelo governo Bolsonaro foi decisivo para que a parceria não decolasse.
“Quando o Ceitec entra no PPI [Programa de Parcerias de Investimentos] no início de 2019 e, em seguida, passa ao Programa Nacional de Desestatização [PND], tudo que a empresa tinha de desenvolvimento foi rechaçado. A administração do Ceitec passou a ser exclusivamente do Ministério da Economia”, explica Silvio Luis Santos Júnior, presidente da Associação dos Colaboradores do Ceitec (ACCEITEC).
Esse primeiro passo foi comemorado por Salim Mattar, fundador da empresa Localiza e então secretário de Desestatização na pasta chefiada por Paulo Guedes.
“A Ceitec […] é a primeira estatal a ser liquidada. Isso significa menos uma estatal que só onerava o cidadão pagador de impostos”, escreveu em sua conta no Twitter em 11 de junho de 2020.
O Ministério da Economia assumiu, então, a nomeação de conselheiros do Ceitec, travando a aquisição de insumos para desenvolvimento de projetos como o do biossensor.
“Agora, para gastar um real, não basta justificar: é preciso convencer o conselheiro de que aquilo é essencial para a continuidade da empresa. Ou seja, só água, luz e algum insumo estritamente necessário”, afirma Santos Júnior.
“Então, ficamos engessados. Eles proibiram a diretoria do Ceitec de comprar qualquer coisa para desenvolvimento dos projetos.”
Vinícius Zoldan exemplifica essa situação lembrando a compra de um insumo específico, que demorou de junho a outubro para ser liberada.
“Para deslanchar o desenvolvimento dos sensores na parceria com o CTI, a gente dependia de comprar a fita do micromódulo. Foi uma novela. Eu me lembro de escrever uns 30 relatórios explicando a necessidade, e recebíamos mil desculpas diferentes, porque estavam aguardando o parecer do conselho”, relata.
“Eles [conselheiros] se reuniam uma vez por mês. Então, a gente fazia um pedido em uma reunião, eles pediam uma explicação extra. No mês seguinte, pediam mais dois ou três detalhes. E assim por diante. Imagina, no meio de uma pandemia, três ou quatro meses de espera.”
Atas de reuniões do Conselho de Administração mostram que as negativas eram reiteradas sem maiores explicações.
“Parecia intencional toda aquela burocracia”, observa Silvio Luis Santos Júnior, representante dos trabalhadores da estatal.
Como se não bastasse a demora na aquisição de insumos, toda a equipe de desenvolvimento que trabalhava na linha de biossensores do Ceitec foi demitida.
“A gente chegou a fazer algumas rodadas de testes. Eles [CTI] nos enviaram amostras, e a gente enviou de volta os protótipos. Próximo à minha demissão, já estavam sendo feitos testes práticos em hospital com esses sensores”, lembra Vinícius Zoldan, do Ceitec.
“Foi mandada uma última rodada de testes ao CTI, mas não houve um rompimento oficial da parceria”, afirma o cientista.
“Lembro de um último e-mail dela [Talita Mazon], que eu nem respondi porque já sabia a data de demissão – minha e de toda a equipe. Eu não sabia nem o que responder, mas a mensagem era a mais óbvia possível: se não tem ninguém da área de desenvolvimento, não vai ter como seguir.”
Há duas semanas, o Tribunal de Contas da União (TCU) ordenou ao governo federal que suspendesse a liquidação do Ceitec. O Ministério da Economia tem até o fim de outubro para justificar que há interesse público nessa decisão.
Projeto avançou sem o Ceitec
A pesquisadora do CTI reforça o impacto da liquidação do Ceitec na interrupção da parceria para desenvolvimento dos biossensores.
“Se a Ceitec estivesse funcionando, acredito que o biossensor já estaria no mercado”, diz Talita Mazon.
Em meio ao desmonte da estatal com sede em Porto Alegre, o CTI aproximou-se startup Visto.bio – que contribuiu no desenvolvimento dos testes e financiou as validações em Botucatu.
“A [Visto.bio] procurou o CTI porque sabia da nossa pesquisa do zika vírus, e perguntou da possibilidade de fazer teste para detectar a covid-19. Então, nós firmamos uma parceria, uma colaboração”, explica a cientista.
Como não tem estrutura para fabricação do dispositivo, a Visto.bio buscou uma empresa privada para fabricar mil unidades e submeter os testes à última análise clínica requerida pela Anvisa.
O nome da fabricante privada não foi confirmado pela Visto.bio – que já possui uma lista de espera de interessados no biossensor.
“Hospitais que se interessaram vão ser os primeiros [a receber os biossensores]. Depois, dentistas, psicólogos e outros profissionais da saúde que se inscreveram. Quando a Anvisa der ok, a gente já consegue iniciar a fabricação”, afirma Renan Serrano, CEO da empresa.
Segundo o fundador da Visto.bio, nenhuma unidade vinculada ao SUS está na lista de interessados.
Desperdício
Em junho de 2020, a revista Mundo MCTI, do Ministério da Ciência, Tecnologia e Inovações, dava destaque às pesquisas de biossensores no Ceitec. No mesmo mês, o governo Bolsonaro anunciava o início da liquidação da estatal.
Desde então, a pasta deixou de dar visibilidade ao projeto e à empresa pública em seus canais oficiais.
“O ministro Marcos Pontes foi derrotado no debate sobre a liquidação. Como ele iria continuar projetando o Ceitec como solução para testagem da covid, enquanto o governo que ele faz parte está liquidando a empresa? Não tem como, é incompatível”, analisa Silvio Luis Santos Junior, presidente da ACCEITEC.
Na avaliação dele, ter um dispositivo fabricado pelo Ceitec em hospitais e postos de saúde, em plena pandemia, poderia influenciar a opinião pública no debate sobre a liquidação da estatal.
“No momento em que uma tecnologia nacional entra no SUS para detecção precoce de covid, a nossa imagem muda. Hoje, a liquidação é discutida apenas sob o fluxo de caixa, mas o Brasil poderia economizar milhões de reais com uma tecnologia como essa, além de ajudar no combate à pandemia”, completa.
Abandono à ciência
Conforme levantamento da economista Fernanda De Negri, do Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea), obtido pelo jornal O Estado de S. Paulo, os investimentos do governo federal em ciência e tecnologia em 2020 foram os menores dos últimos 12 anos.
Este ano, o orçamento do CNPq foi o menor do século: R$ 1,21 bilhão, menos da metade do que foi disponibilizado no ano passado.
Antes de presidir a ACCEITEC, Santos Júnior atuava dando suporte aos pesquisadores da área de produção da estatal. Ele afirma que a substituição por uma organização social (OS), como propõe o governo Bolsonaro, não garante a continuidade dos projetos.
“A gente tem uma visão macro do que está acontecendo, e vê colegas tirando dinheiro do bolso para comprar insumos, conseguir reagentes, finalizar pesquisas”, lamenta.
“A liquidação do Ceitec é o fim. Não vai ficar lá para outro fazer. E estava pronto, era público, para o público, e totalmente nacional.”
Além dos sensores eletroquímicos, outros projetos deixaram de ser realizados sob a justificativa de que a liquidação inviabilizaria o andamento.
“Alguns dizem que é um desperdício investir em ciência porque os pesquisadores só produzem artigos, que vão de nada a lugar nenhum. De fato, para quem está na universidade é difícil desenvolver a ideia e montar uma planta-piloto para produção em escala e validação”, explica Vinícius Zoldan.
“É nesse ponto que entrava o Ceitec. A gente oferecia capacidade de produção em escala e testes para os sensores desenvolvidos. Ou seja, podíamos transformar um protótipo em um produto.”
Após a demissão, Zoldan desistiu de produzir ciência no Brasil. Ele só não deixou o país porque a esposa estava grávida e o casal preferiu não se mudar.
“O governo investiu na minha formação, pagou faculdade, mestrado, doutorado, pós-doutorado. Quando eu estava no ápice da capacidade produtiva e realmente poderia devolver esse investimento ao Brasil, fui demitido. Depois do que aconteceu com o Ceitec, eu desisti da área acadêmica, joguei 20 anos de trabalho fora”, finaliza o cientista, que hoje trabalha como assessor de investimentos.
Outro lado
O Brasil de Fato apresentou as informações, críticas e questionamentos desta matéria ao MCTI, ao Ministério da Economia, ao CNPq e à atual gestão do Ceitec.
A reportagem também questionou o Ministério da Saúde, para saber se a pasta estava ciente das etapas de desenvolvimento do biossensor para detecção de covid-19.
Não houve retorno em nenhum dos casos.
Edição: Anelize Moreira